De olhos abertos vejo a menina, anos atrás, com seu colant de ballet, sentada em um banco, sozinha ela sonha buscando no horizonte tão imenso e tão verde dicas do agora, outrora. A menina outras vezes acorda de madrugada, perde o sono preocupada com o depois, sobe até o morro das paineiras e vai assistir o sol nascer. Enquanto o arrebol pinta céu e terra de mil cores rubras, ela inspira o ar da manhã, e pondera no agora, outrora. Tantas manhãs o céu demora a colorir a terra do verde e sem esperança a menina chora, as lágrimas dizendo tantas palavras mudas, sem ombros. A menina sonha ser mulher, independente, ser bonita pelo menos uma vez, com os olhos fitando aquela glória do talvez.
Hoje, diante das janelas vejo a mulher, bonita, independente, fitando com olhos perdidos o dia tão cinza lá fora, olhando com saudades nos olhos da menina do outrora, agora.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
Puff
Olha a bolinha de sabão
voando sem direção
Saiu aqui deste canudinho de mamona
e quem te criou fui eu
Ouve minha vóz, voe em minha direção
tu que é feita do ar do meu pulmão
Suspensa voa nas asas da minha imaginação
Cores, reflexos, universo paralelo dos meus sonhos
Não desapareças no ar
antes pouse em minha mão e
deixa-me ver além bolha
o que já não é sabão
Quebra a membrana
Rompe no ar e te mistura
Puff
e já não é
voando sem direção
Saiu aqui deste canudinho de mamona
e quem te criou fui eu
Ouve minha vóz, voe em minha direção
tu que é feita do ar do meu pulmão
Suspensa voa nas asas da minha imaginação
Cores, reflexos, universo paralelo dos meus sonhos
Não desapareças no ar
antes pouse em minha mão e
deixa-me ver além bolha
o que já não é sabão
Quebra a membrana
Rompe no ar e te mistura
Puff
e já não é
terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
TUA LUA NUA
A lua não é
minha
Para rimar
a lua
Ela tem que
ser tua
Na rua em
que caminhas
A lua não
reflete minhas vestes
Para
brincar com a lua
Deve-se
estar nua
E pairar na
abóbada celeste
Quieta,
sozinha, verdadeira e crua
Iluminando
por ser iluminada
Diz tudo
silenciosa em suas fases de lua
Tudo está
já delimitado:
Para que
rime, nua te entrego a lua
Depois tudo
estará findado.
Revolta!
Quero minha
lua de volta.
INTERNET COMUNITÁRIA
Você sabia que há um computador disponível à comunidade
no mini-hospital do pozzobom? - Foi a frase que incrédula ouvi no ponto de
ônibus dia destes. Internet de graça? Isto é incrível - imaginei já ponderando
nas pesquisas todas que poderia fazer para enriquecer meus trabalhos
acadêmicos, e isto aos domingos e nas madrugadas.
Tomei um banho demorado, afinal não é todo dia que se faz
uma conexão à internet. Perfumei-me e levei comigo tudo que iria precisar:
canetas, caderno, disquete... Estampei o rosto com o melhor sorriso disponível
e adentrei às portas do pronto-socorro como quem adentra a uma nova etapa
existencial.
Tive que esperar algumas horas, afinal as crianças do
bairro já haviam descoberto alguns sites de jogos e apinhavam o pronto-socorro
numa euforia incrível. Havia até um
garotinho de grandes olhos e pernas incrivelmente finas, de uns três
anos de idade sugando algo que lembrava muito um pirulito.
Enfim, chegou o momento solene em que assentei - me à
frente do computador. Soube então que teria dez minutos de conexão, mas não
atentei para o fato até perceber que já os havia gasto aprendendo como se
utiliza o sistema. Levara comigo alguns endereços de sites, mas soube que não
poderia visitá-los, pois o sistema já fornece os endereços que você pode
visitar. Tudo bem - pensei e comecei a pesquisa sobre Almeida Garrett que meu
professor solicitara. Consegui adentrar a algumas bibliotecas que discorriam
sobre o escritor, já estava até eufórica quando de súbito apareceu novamente a
mensagem de que meu tempo se esgotara. Aquilo começou a inquietar-me, mas
esperta como sou não titubeei: muni-me de um disquete com ares de quem
encontrou a solução de tudo, entrei novamente no site e apressadamente cliquei
para salvar , entretanto, atônita recebi o recado de que o computador não
permitia que se salvasse o conteúdo nele pesquisado.
A esta hora eu já tamborilava com os dedos a
escrivaninha, então tive a idéia brilhante de imprimir o conteúdo pesquisado.
Olhei esperançosa para a recepcionista do hospital apontando a impressora,
contudo ela ofereceu-me um longo sorriso amarelo com um meneio de ombros: - não
imprime e nem há tinta na impressora - disse.
Não sei o que houve comigo, mas as crianças começaram a
esgazear os olhos e uma a uma foram se afastando em direção à saída. Ainda bem
que eu estava no hospital, disseram-me bem mais tarde, teria sido fatal se não
houvera sido socorrida de imediato.
Do quarto onde permaneci de repouso eu ainda podia ouvir
claramente a voz insidiosa do garotinho de pernas finas:
- Tato, deixa eu tilá o papel do pililito, deixa!
Prontamente a voz severa de um garoto mais velho
respondia:
- Não! Quem comprou fui eu, se tirar o papel eu chupo!
sábado, 18 de fevereiro de 2012
Pássaros do asfalto
Ante os carros que zunindo passam
Ante transeuntes apressados
Pássaros
Como pequenos pedaços
de outra era, outro espaço
Procuram bixinhos agora escassos
Donde outrora grama, hoje o asfalto
Porém o céu ainda tão cobalto
é guarida aos pássaros filheiros
que buscam no asfalto
bocados de vida
piando felizes
alheios devaneios
Aves urbanas, um quase de humanas
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Nua
Justiça é uma
mulher nua
Ocultando-se no véu das
palavras
quanto mais a verdade se faz
sua,
seus véus se vão como asas.
Amai dos véus a beleza
Se a beleza e virtude da
Justiça forem dúvidas.
Deixai-a e contemplai o
tempo tecendo em destreza
A fazenda cintilante que a
ornará de certezas
Sepultada então em seu seio
tempo
A verdade,
Nua.
A vendedora de sorrisos
Ah! Ah! Ah!
Ecoa a Sonora gargalhada em meio as flâmulas farfalhantes, entre os
tecidos multicolores que desfilam sobre as sombrias janelas da alma
escancaradas para o mundo, permitindo que se lhes vislumbre etéreos fragmentos
por entre os borrifos opalescentes que deslizam até culminar no salgado gosto
do riso.
Repicam os sinos da Matriz uma hora
qualquer, que as horas não importam, importante é que toquem de hora em hora
avisando que já são horas.
- Bom dia, senhor! Em que posso ajuda-lo?
– diz o sorriso da vendedora, amplo, cordial. O sorriso é o convite, a deixa
que alguém esperava para entrar na alma da vendedora; ora, a alma de uma
vendedora tem que oferecer flores, sóis, mar e promessas infinitas da
possibilidade que há em se ver um arco-íris quando a chuva cair.
Lá fora a chuva constante e miúda
insiste em derramar-se, mas para quem visita a vendedora é sempre sol. O riso
do cliente vai embrulhado nas suas mãos, pedaços de felicidade que por sorte
ele pôde comprar.
O sorriso da vendedora se desfaz por
dentro quando o cliente vai embora, pois é importante que jamais se desfaça do
rosto para o caso de ser pega de surpresa e alguém esperar um convite para
entrar.
Quando a vendedora pendura sua alma
no canto escuro do vestiário, são horas de cerrar as portas.
Trôpega ela caminha para encontrar
sua casa. No rosto, o sorriso continua encantador, pois mesmo desprovida de
alma carrega consigo o sorriso que é a chave para abrir as portas do vestiário
para que novamente se transvista de vendedora.
Sorrindo sempre ela chega, é preciso
rir para os amigos da outra em que ela se veste agora, é preciso rir para os
pais, para o filho, para Deus quando de joelhos lhe rende graças por tanto
riso.
Ah! Ah! Ah! Parece dizer o incômodo despertar do
relógio, entorpecida ainda da noite sem sonhos ela desperta e sorri, porque
chove e dentro do seu armário, no vestiário sombrio há uma capa que a protegerá
do frio que vem de dentro dela.
Nada se paga por ele, mas ela o dá
passivamente. O objeto vendido vale mais que o sorriso que veio das entranhas,
sem o qual não haveria o milagre do lucro: a venda.
sábado, 11 de fevereiro de 2012
As meninas
Responda-me o por quê!
Esclareça-me pois quero saber, me diga por que nunca deixaste brincar a menina dos teus olhos com a menina dos meus. Por que as tuas pálpebras dementes ocultam a faceira menina que deseja correr pelos campos, colher flores e transformar em jardim teu rosto tão triste? Não vês que as águas que escorrem pelo teu rosto poderiam ser um lago de riso, tão somente nossas meninas pudessem brincar juntas? Tens medo de quê? Confie na menina dos meus olhos, pois ela habita em olhos seguros e traz na lembrança apenas belas visões, as más, ocultei no véu das palavras e por mais que a menina teime em espiar através dele, não pode ver nada além de flores.
Esclareça-me pois quero saber, me diga por que nunca deixaste brincar a menina dos teus olhos com a menina dos meus. Por que as tuas pálpebras dementes ocultam a faceira menina que deseja correr pelos campos, colher flores e transformar em jardim teu rosto tão triste? Não vês que as águas que escorrem pelo teu rosto poderiam ser um lago de riso, tão somente nossas meninas pudessem brincar juntas? Tens medo de quê? Confie na menina dos meus olhos, pois ela habita em olhos seguros e traz na lembrança apenas belas visões, as más, ocultei no véu das palavras e por mais que a menina teime em espiar através dele, não pode ver nada além de flores.
Acha que fiz mal? Ora, a minha menina não quer crescer, ser adulta e saber de tudo, ela quer simplesmente saltar de olho em olho, colhendo nuns flores, noutros lágrimas, mistérios insondáveis, riso, felicidade, angústia, beleza, sonho... Ela quer ir a todos eles, em todos os lugares... Porém, a minha menina descobriu tantas pálpebras descidas em seu caminho, que anda entristecida, não quer mais brincar e até mesmo ela, antes tão faceira, estendeu suas mãos e me trouxe as pálpebras descidas ante os rostos ansiosos da multidão. Assim, oculta pelas pálpebras, ela descobriu o medo, a dor, a solidão e agora chora sozinha. Creio que a menina dos meus olhos está crescendo, pois dias desses segredou-me estar cansada; - imagine, disse-lhe, já cansada e apenas és uma menina. Como podes cansar-te se já não saltas mais como antes? – Canso-me de ser menina e não mais poder ser, fadei-me de encontrar olhos nus, nus de inocência, de confiança, de amor, de companheirismo, de esperança. Fui menina, continuo menina, porém menina mecânica; todos os meus gestos têm de ter medida, hora e lugar certo, sou uma boneca de pano esquecida num canto sombrio, esperando que o lampejo dos teus olhos ilumine um dia o meu canto e me faça novamente menina, para juntas brincarmos e entrelaçarmos com os braços da esperança o momento que já deixamos partir.
Luto
Saudade, do dia distante que rimos juntas, das conversas que tivemos, das experiências que só tiveram nexo pois você estava lá. Arrependimento pelas palavras gentis que deixei de dizer, por não ter te beijado, te dito que eras importante, mesmo sabendo que você sabia disso. Que vontade de voltar o tempo, segurar tua mão e lhe dizer que não tivesse medo pois depois da breve agonia, você iria para seu verdadeiro lar. O tempo passou depressa demais. Saudade tia Tê!
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
A CANÇÃO DO EXÍLIO DA GALINHA GRANJILEIRA
Era
uma vez uma galinha granjileira, nascera assim, um dia, de um modesto ovo
pequenino; era franzina e demorou muito à aprender ciscar sozinha, mas todo o
poleiro tomou logo conhecimento da novidadeira: do primeiro pio já se lhe
entrevia o espírito vivaldino, sagaz. A mãe tivera três lindos pintinhos.
“Mas
como aquele era franzino” – pensava a pobre Cocobeca balbuciando um cacarejo de
encorajamento à pobrezinha.
O
galinheiro era um lugar feliz, apesar das constantes brigas pelas parcas
minhocas. Milho? Só de vez em quando, nos finais de semana e feriados. Os pintinhos
cresciam numa algazarra só; nem bem amanhecia, beliscavam as asas protetoras
das mães para correrem livremente no quintal piando faticamente o tempo todo.
Brincavam de pique, de rodas, de poleirinho encantado... Umas gracinhas. Quando
completavam seis dias estavam prontos para ir a Granjescola. As mães franziam
as cristas nas filas determinadas a garantirem uma vaga aos filhotes. E como
cacarejavam... Sobre como estava calor, sobre esses pintinhos de hoje em dia
tão espertos – “antigamente não era assim não senhora”. Sobre quem havia sido
assado – “um horror Granjamadre”, sobre o governador do galinheiro, umas
contra, outras a favor. As vezes até se bicavam, mas logo iam se desculpar no
poleiro da vizinha por bicá-la assim, por nada. E assim reinava a paz do
galinheiro.
Ora
mal completara seis dias de vida do pintinho franzino já sabia escrever seu
nome, ler algumas palavras e erguia o bico orgulhosamente piando alto:
-
Eu vou ser escritora, vou cacarejar granjinglês e vou morar na Gringogranjelândia.
O
senhor Galo sorria orgulhoso, já a dona Galinha cacarejava que não ficasse
sonhando com os galinheiros alheios, que nascera para o puleiro e que a granja não
é coisa pra galinha carijó.
Inconseqüentemente
o pintinho sonhava, estudava muito, aprendera a amar os livros que podia
emprestar da granjiblioteca; lia-os ávida cheirando as páginas, passava horas
tocando com as peninhas da ponta da asa nas páginas amarelas.
O
tempo passou rápido, o pintinho logo emplumou, se tornou uma franguinha de
grandes olhos irrequietos, pernas muito finas e muitos, muitos livros debaixo
das asas.
Começou
logo a escrever, crônicas, poemas, escrevia prolificamente e sempre. Contudo as
crises pelas quais o galinheiro sempre passava a impediam de crescer na vida.
Não queria ser lá uma galinha famosa, mas sonhava em poder viver cismando,
ciscando e escrevendo. Entretanto no poleiro da vida tinha que trabalhar duro o
dia todo.
Algum
tempo depois, tornara-se já em uma galinha-moça sem atrativos físicos em
especial; tão magricela coitada que o grajavô lhe compôs: “quando vejo franga
magra/Logo me vem no sentido/ ou é fome ou é doença/ ou é maltrato do marido”.
No trabalho então um franguinho metido a galo lhe cantava “sapateia franga feia”.
Coitada, era mesmo muito feia, mas como cacarejava bem no papel. Conseguira
ingressar à faculdade, se deu muito bem, era convidada para projetos, tirava
notas altas e sempre andava flutuando com novas idéias.
Assim
aprendeu que na verdade nunca tivera um sonho de viver na Gringogranjelândia, antes
se objetivara a obter isto, para chegar àquilo: ser escritora. Precisava muito
conseguir alguns dólares para ajudar ao senhor Galo e à dona Galinha que já
estavam doentes, quase desmoelados, além de viver sonhando com um tempinho
livre, longe das olheiras e tanto stress pela correria da vida.
Às
vezes pensava em desistir, lembrava sempre dos conselhos: “pára com isso, quem
nasceu em poleiro não é para a granja!”. Apesar da inteligência a pobre jovem
galinha nunca pôde compreender por que uns nasciam em granjas chiquérrimas
enquanto eles tinha que lutar ferrenhamente pelo bocado minhocal, nunca
prosperando. Por que tanto contraste em um galimundo tão evoluído.
O
galinheiro mal sobrevivia nos galhos da
velha mangueira do quintal, cercado de um mato muito cobiçado pelas vacas que por
ali pasteavam. Por sorte havia uma cerca, mas esta enferrujara e ameaçava ruir
a qualquer instante. Algumas galinhas preocupavam-se muito com isso, faziam
passeatas e criavam ongs tentando proteger o matagal biodiversificado do qual
se alimentavam.
Um
dia a galinha soube de um programa especial, poderia viajar para a
Gringogranjelandia se falasse um pouco o granjinglês, passasse no teste
piopsicológico, tivesse entre 18 e 26 dias, soubesse dirigir, não tomasse
destilados de milho e nem fumasse da palha, se não tivesse problemas de
obesidade, emocionais, físicos, pagasse uma astronômica quantia de mil e
oitenta dólares ao programa (imagine para a pobre franguinha que quantia
impossível). Porém a pobre galinha lutou por três anos: economizou, não foi à
festas, não saía aos finais de semana, fazia um cursinho de granjinglês
comunitário, que um franguinho solidário ministrava aos sábados a tarde, pediu
dinheiro emprestado à sua tia do galináceo Frão Paulo para tirar a carteira de
frangotorista, mas dirigia que era uma lástima, coitada. Até a foto na carteira
de motorista demonstrava-lhe o pavor, o sorriso amarelo da pobrezinha.
E
assim foi, deixou o último ano da faculdade para dispor-se a ser escolhida,
imagine, por uma família da galinácea gringogranjelana. Seu trabalho seria
cuidar dos filhotes durante o dia e estudar durante o tempo livre. Acabou conseguindo;
foi escolhida por uma família com três pintinhos bebês. Muito lindinhos.
Chorou
copiosamente na despedida, amava demais sua faculdade e teria que sacrificar o
partilhar do último ano de seu curso e também a chance de graduar-se com os
amigos de três longos anos.
Embarcou
em um gavião enorme, era a primeira vez que voava. O vôo durou nove horas, foi
durante a noite. De manhã cedinho chegaram à “big apple”. Voou sozinha, ninguém
para conversar, todos introvertidos ensimesmando. A pobre galinha sentiu-se
muito mal durante o vôo, ia já sentindo uma saudade gigantesca de toda a vida
frenética que deixara em seu querido Granjasil.
Viu
neve pela primeira vez, vestiu seu casaco de penas e passeou sobre as ruas do
galinácio nova-iorquino. Uma galinha sozinha em New York, que galinheiro imenso
e lindo, gaiolas douradas reluzindo, quanta suavidade na neve. Os carros são o
sonho de todo franguinho. As galinhas, muito brancas de olhos azuis andam
cacarejando baixinho, muito educadas, com seus bicos vermelhos e unhas
esmaltadas e penas de grifes famosas.
Depois
do treinamento, a jovem galinha embarcou para seu destino final: a granja onde
mora o presidente da Gringogranjelândia, Granjuóshington.
Os
galinheiros de Granjuóshington são lindos, tudo reluz, há flores ornamentais,
tudo funcional, “o melhor que há no
mundo” cacarejam os gringogranjelanos orgulhosíssimos.
As
galinhas gringogranjelanas levam uma vida muito saudável, há horário para tudo,
desde o comer da ração matinal até o momento de adentrarem suas gaiolas
granjais para dormir. Ostentam sempre o bico superior suspenso para parecer que
estão sempre sorrindo. A pobre galinha jovem tem câimbras de tanto sorrir de
volta.
Todas
as noites, após a ração, a pobre jovem galinha se retira para o alto do poleiro
que lhe fora reservado no sótão da granja, e cacarejando baixinho chora; pios
de soluço lhe agitando o peito franzino. Tem tantas saudades das cristas
conhecidas, acostumara-se já aos pés das galinhas granjileiras, como sofria
tentando adaptar-se aos sapatos gringogranjelanos.
Trabalhar
de babá é o melhor método anticoncepcional, pensava; “imagine lá se eu vou
querer um dia arrumar o meu ninho e botar um ovo, arre!”. E a cocobeca relembrava saudosa das aulas na
faculdade granjal, das poesias, das emoções tantas que uma penosa como ela já
tinha aprendido a apreciar, até das bicadas dos professores sisudos cantando de
galo tinha saudade.
E
os dias se passavam, a franguinha definhava e aprendia todos os dias palavras
novas; lembrava-se ainda da primeira vez que sonhou cacarejar granjinglês. Foi
assim que aprendeu, cacarejando titubeante os primeiros “to pirs” e logo
cacarejava sentenças inteiras.
Acostumou-se
um pouco ao puleiro alheio, feliz pelo menos por estar enviando à família o
bocado minhocal. Todos os dias ao entardecer, após banhar os pintinhos famintos
e entregar-lhes à senhora Carijó, ela se retirava, ia entreter-se a observar as
galinhas estrangeiras passeando em seu lugar predileto: um puleiro-café e
livraria onde por longas horas assistia a vida galinácea, escrevendo suas
idéias frangais.
Porém
um dia, estado ela ensimesmada ciscando consigo mesmo uns bocados no puleiro
café, adentrou ao puleiro um galinho com ares de valente e humor radiante.
Irreverentemente aproximou-se de seu poleiro, todo emplumado cacarejando alto.
Foi-lhe dirigindo olhares penosos, demonstrando sinais de que adoraria bicar a
ela, a quieta cocobeca.
A
princípio ela hesitou, afinal era uma franguinha donzela, não era dessas
galinhas depenadas que andam por ai não senhor. Mas o galinho todo galã lhe
disse que não se preocupasse, que não era galanteador banal, queria
conhecer-lhe a história toda, desde que chocara.
Titubeante
a cocobeca foi-lhe dizendo os primeiros cós, e logo cacarejava tagarelante como
nunca. O galinho a fitava atento, balançando a crista vistosa e molhando o bico
em sua beberagem galinesa. As pernas finas da franguinha tremiam, - como era
bom, enfim, dividir seus temores, sonhos e dissabores - pensava. Nem bem passou
um dia e os jovens franguinhos já morriam de amores.
Se
casaram em Granjas Vegas. Ela vestiu penas alvíssimas, carregou um buquê de
gardênias perfumadas, enfeitou com brilhantes a crista, passou brilho bical e
se sentiu a galinha mais linda do mundo. Ele sorria feliz, garbosamente
balouçava sua crista recém-polida, levou-a pela pena da ponta da asa, docemente
bicando-a depois do sim.
E
tudo em Gringogranjelândia ficou lindo. O amor dos jovens penosos enfeitara as
ruas, diminuira a distância e a saudade que a jovem sentia de lá, pois as árvores
de cá já ostentavam pássaros que podiam contar uma história linda que
principiava.
Porém
a jovem galinha continuava a lamentar-se ter deixado o último dia de sua
faculdade, até que um dia decidiram que ela voltaria ao Granjasil.
E
assim o fez, a cocobeca fez suas malas e partiu para mais um dia em seu amado
poleiro natal. Reviu a família, amigos de outrora, comeu do bocado minhocal que
tanta saudade tinha (que tempero!) e os pássaros cantavam acima do poleiro
celebrando sua volta.
A
galinha estudou, concluiu seu curso com muito orgulho. Depediu-se durante todo
aquele longo dia preparando-se para voltar à Gringogranjelândia. Deixou com
saudade os pais, já frangos de idade, suas irmãs casadas e seus seis sobrinhos
que chocaram e cresciam tão bonitinhos. Era uma galinha tia agora, a vida lhe
acrescera mais do que sonhara.
E
assim vive a cocobeca hoje, distante das palmeiras, do canto do sabiá, mas tem
um cardinal que canta maviosamente sobre seu poleiro e de seu garboso galo. Ficou
mais bonita, mais chique e vivendo em Gringogranjelândia gradativamente
adapta-se aos costumes galinácios estrangeiros. Tem saudades de sua terra, seu
poleiro natal, mas tem mister Galo que lhe cacareja tantos carinhos, que lhe
faz uma galinha tão completa que a cocobeca se põe pensativa: “Sabe meu galã,
que tal um ovo?”.
Hoje
Hoje o dia me pertenceu, acordei porque quis. Fiz do meu dia não seguir nem mesmo o vento.Hoje eu fui mais eu, não precisei ditar e nem ouvir regras, nem colocar máscara alguma para ser normal, como todos os carneirinhos enfileirados. Hoje eu deixei a colina e fui para a floresta explorar. Não temi lobos e nem me envenenei com as plantinhas tenras e exóticas. Hoje carreguei meu filhotinho comigo, visitamos a velha árvore; tão sábia. Hoje dormimos ao relento, fora do horário pois o sono mais doce não cronometramos. Hoje a música mais linda que ouvi foi o som do riso da pequenina. Hoje eu tive um dia só pra mim e isto não tem preço. Deito agora esperando o despertador cedo, já sentindo a saudade do meu hoje que principia a ser ontem.
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
PARTO
Dilatadas as veias azuis
do morno ventre distendido
latejam, agonias entre véus
translúcidos,
cobrem o ente perdido
Novelo de lã
Amanhã
Que hoje é dia
do ontem ideal.
Entrelaçados: pernas, mãos, braços,
linhas no rosto perdido
Emergem das águas vãos, traços,
papel de rascunho esquecido
gotejando a orvalho de rosas, lilases
ainda botões a espera de florescer.
Um grito!
Que trazes?
Esquecimento.
Nas trevas se findam as luzes que cegam.
O medo brota em gritos, quando em trevas,
súbito faz-se luz que as negam.
Assim se nasce.
Pela Janela do circular
A vidraça
translúcida embaçada pela chuva miúda e constante, não pode cobrir de todo as
imagens da vida cotidiana que os rostos desconhecidos estão levando. A
travessia de ruas é incansável, passos que vão e vêm.
Nas frias manhãs de
Domingo, quando todas as lojas estão fechadas, a praça central torna-se
solitária, poucos se arriscam a sair de casa.
Vagarosamente
continua a chuva a cair. Somente um estabelecimento está aberto: o boteco da
esquina. O piso é malcheiroso, as paredes cobertas de nódoas e limo, o cheiro
de gordura é insuportável e uma espessa nuvem de vapor se dissipa no ar,
tornando-o irrespirável. Há um rádio ligado num desses programas vulgares onde
se fazem anedotas e toca-se música de mau gosto.
Neste inóspito
ambiente, tudo vibra e se move: tem vida. Mas a vida está onde não deveriam
estar os seres viventes, seres estes que não viveram e sim produtos das
manipuladoras máquinas que funcionaram com seus ruídos indiferentes durante
toda a semana que se passou.
Vida esta, que
aquele homem adiante está, em sua embriagues a bradar, tropegamente andando
sobre os paralelepípedos bicolores da praça. Seus braços se cruzam quando uma
rajada de vento o atinge; está frio e suas roupas maltrapilhas apenas cobrem
sua nudez.
Os pombos se
aglomeram na calçada, estão à cata das migalhas deixadas pelos fiéis que
assistiram à missa dominical. O bêbado avista e pára, colocando pensativamente
a mão sob o queixo. Que terá ele pensado nesse lapso? Que indagação, qual o
motivo da contemplação dos pássaros?...
Seriam os
pássaros a lembrança dos filhos à espera da migalha que hoje ele não levaria
para casa? Sua expressão desolada facilmente traduz-se neste pensamento.
Segundos depois,
continuou seu caminho de passos tardios e descompassados, bradando
energicamente às árvores, personificando-as, talvez, fazendo-as compreender um
ponto de vista qualquer.
A gota formada
pelos borrifos de chuva desliza, acompanha a lágrima que o mundo todo já chorou
pela condição da miséria humana.
Sossegadamente o
bêbado se vai...
Não! Quem se vai
é o ônibus que nos leva para longe, o bêbado jamais irá, estará sempre nas
esquinas, dormindo nas calçadas e nos frios bancos dos jardins. Ao relento,
molhados, com fome e frio. Incapazes de estenderem-se a si as mãos que o fariam
levantar.
Cor-de-rosa
É
maio, um cheiro de brisa invade as manhãs no reino distante das majestosas
paineiras em flor. Elas vivem no alto da montanha do Pozzobom. Em meio a relva
fresca, um caminho de cascalho abre passagem aos dois lados: de cima, abaixo. A
grama floresce, são pequeninas flores amarelas que parecem pompoms, peninhas de
pintinhos recém-nascidos.
Há
flores minúsculas e roxas, quase negras que quando apertadas entre os dedos
deixam manchas rubras. O burburinho de risos passeia ao vento; risos felizes de
crianças, os primos queridos. Sempre encontra-se em meio a vegetação selvagem
algumas marias-pretas, madurinhas. O ar frio da manhã enche gostoso o peito,
cheiro de grama pisada, o cabelo acariciando o rosto de leve.
O
“descidão” é o melhor escorregador do mundo. E lá de baixo pasmos cismamos por
um instante a beleza das paineiras. Como uma nuvem de esperança os periquitos
filheiros chegam em bando, e a manhã se enche de canto; misturados risos e o
barulho dos periquitos. Começa a chover pétalas, o céu turquesa, as nuvens
esparsas e imensamente brancas emolduram a imensidão rosa. Um cheiro suave de
flor começa a rescender.
A
subida é íngrime, mas quando se brinca de “quem chegar por último é mulher do
sapo” não se percebe se sobe ou se desce. O riso tem o mesmo som. E lá de baixo
da paineira está ela, com os pezinhos descalços acariciando a grama, a mãozinha
delicada tentando enlaçar o tronco robusto da paineira, tão gentil que os espinhos
afiados não lhe causam dano algum. Ela sempre sorri, uns dentes brancos lindos
e covinhas dos dois lados do rosto; ela espera pacientemente que lhe
acerquemos.
A
chuva de pétalas é mágica: um mundo rosa de suavidade e doçura qual algodão
doce. Em meio a chuva ela rodopia com seu vestidinho branco, esvoaçante,
cantando sempre dança em meio a chuva cor-de-rosa com um ombrinho delicado à
mostra.
“Meu
potinho de melado
Minha cestinha de cará
Quem quiser casar comigo
Feche a porta e venha cá
Ô lê lê lá lá...”
Corre
ligeira para a cestinha de vime. Retira uma colcha de chenille veludosa;
lança-a com as duas mãos ao vento que vai abrindo as dobras da fazenda macia.
Delicada e ligeira, com as pontinhas dos pés ela pisa o tecido e se assenta,
graciosamente. O vento brincalhão lhe joga o chapéu de palha na grama úmida.
Como
um íma nós corremos para ela, enchemo-lhe os cabelos longos, fartos e negros
com as flores rosas. Há flores em seu colo e ela enfeita o chapéu cantarolando
sempre. E como as saúvas nós todos em uma busca frenética lhe trazemos as
frescas flores que caem.
–
Tia Maria, olha esta que linda!
Ela
sorri, agradecida mostrando as covinhas encantadoras e começa:
–
Era uma vez...
Em
segundos estamos todos em silêncio, apenas o som da manhã orquestra o fundo da
estória encantada que lá vem. Os olhos brilhantes e ávidos fitam a espera
enquanto assentados a sua volta ouvimos. Eram estórias de princesas encantadas,
de moças gentis que só faziam o bem; de homens valentes, príncipes que vinham e
resgatavam a princesa de uma sempre buxa malvada. Foi assim que conhecemos às
princesas: Cinderela, Branca de Neve, Bela Adormecida, Bela... Todas tão
diferentes porém tão iguais: gentis, espirituosas, alegres e sempre muito
bondosas.
E
os maios foram se passando. Ela conhecera um moço muito alegre que visitava aos
domingos a casa do avô em sua motocicleta. Resolveram um dia que se casavam.
Tia Beth também conhecera a um rapaz. Com a tia Beth canta-se, sempre. Seus
dedinhos pequeninos e calejados das cordas do violão corriam frenéticos
acompanhando a voz maviosa nas tardes de domingo. Job controlava o gravador
misterioso que o avô sempre ralhava se se apertasse as teclas. Como as duas
estavam casadoiras, resolveu-se que se casavam no mesmo dia.
Foi
em maio, a mágica das paineiras traduzidas num bolo de escadas cor-de-rosa.
Lindo. A caprichosa mãe do noivo (também Maria) o fizera. Elas chegaram de
branco tão limpo que doía os olhos ao sol. Vestiram coroas com gotas na testa e
um lindo véu que voava ao vento cintilando das minúsculas gotinhas
transparentes que lhes ornamentavam. Etéreas posavam para o fotógrafo. As
noivas mais lindas que já se viu, segurando as mãos sorriam felizes uma para a
outra, vislumbrando as delícias do encanto do momento. Véus brancos, flores
rosas, céu azul.
Outros
maios vieram. Alguns acerca das paineiras, outros, tão longe. Crescíamos
impacientes do dia em que poder-se-ia feqüentar os círculos concêntricos das
moças bondosas.
Então
vieram os doze anos, havia uma reunião que se fazia na igreja somente para
jovens; vesti neste dia o meu melhor
sorriso e fui, encantada em conhecer jovens dóceis, mal podia esperar pelas
amigas todas que teria.
Já
no pátio sorria olhando para os formosos vestidos coloridos, procurando por
olhos, sem contudo encontrar nenhum. Não vencida aproximei-me do bebedouro e
exclamei às duas jovens que lá bebiam:
–
Que lindo dia, não?
É minha primeira reunião!
Com
as bocas ainda entreabertas elas pasmaram-se estarrecidas por um instante, a
água escorrendo-lhes boca-abaixo. Tornaram-se, fitaram-me de alto abaixo, com
um meneio de ombros rolaram seus olhos de suas órbitas e me deram as costas.
Meu sorriso ainda congelado murchando aos poucos.
Depois
disso muitas outras vieram, muitos meneios de ombros, comentários malvados,
suspiros de exasperações. E aprendi assim que as moças não eram princesas; não
havia encanto nelas, não havia senso de irmandade e sim rivalidade. As moças
gentis se desvanesciam como o orvalho após o sol sair.
Durante
muitos maios magoada eu sentia saudade das princesas. Era continuamente
admoestada a fugir dos tons pink.
–
Demonstram fraqueza – uns diziam.
–
Encouraja à fé em coisas que não existem –
diziam outros.
–
Mulher tem que ser forte! - exasperados outros
apregoavam.
E
tudo não fazia muito sentido até o momento em que me dei conta de que na
verdade pink, rosa, cor-de-rosa não rotulavam fraqueza alguma, e que o rosa das
paineiras não nos havia de forma alguma feito acreditar em coisas que não
existiam: falávamos de bondade, de amizade, de vínculos de amor tão fortes que
nem a morte conseguia separar.
Hoje
tão distante das paineiras eu sei que aprendi, em imensa parte com minha tia
Maria a como ser forte, como acreditar nos sonhos encantados porque eles são
sim reais. Minha tia Maria foi
minha primeira princesa.
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